O caso do estupro atribuído ao jogador Robinho, atualmente contratado pela equipe de futebol do Santos, expõe um tipo de violência que sempre foi praticado contra a mulher: o estupro por “poder”.
Uma de minhas séries policiais preferidas, Law And Order, Special Victims Unit – SVU, narra casos de uma unidade da polícia de Nova Iorque, especializada em crimes sexuais: estupros, pedofilia e diversos casos de violência, praticado contra mulheres, crianças e, até mesmo, contra homens.
Cada episódio é mais chocante do que o outro e, para assistir, o telespectador deve saber que são descritas cenas muito fortes; porém contextualizadas, transformando a série em um dos maiores sucessos da história da TV americana e mundial.
A grande maioria dos casos, todavia, mostra os criminosos sexuais como doentes compulsivos, que estupram devido à sua natureza patológica, descrevendo os crimes sexuais como algo praticamente impossível de ser evitado, do ângulo do agressor.
Longe de justificar esse tipo de crime, a série aborda o insano mundo dos que combatem os crimes mais hediondos, dedicando suas vidas (e sacrificando suas famílias) não somente pelo amor às vítimas, mas pela repulsa que tais crimes provocam nos protagonistas.
O crime de estupro imputado a Robinho mostra outra face dos diversos tipos de violência que sempre foram praticados contra as mulheres.
É fundamental acender o alerta máximo da sociedade, pois, longe de ser um episódio isolado, é algo muito mais comum e cruel do que parece: o estupro por poder.
Não tenho aqui a menor pretensão de adentrar no campo da anatomia do estuprador, nem fazer qualquer análise psiquiátrica ou psicológica desse repulsivo fenômeno. Igualmente, não desejo criar ou definir uma nova espécie do estupro, pois, para mim, mais do que uma patologia, o estupro é um crime repugnante e abjeto.
Não há como negar, todavia, que o crime atribuído a Robinho difere da imagem que o consciente coletivo social tem do estuprador.
Já vi Robinho algumas vezes, pessoalmente, em saídas de vestiários de jogadores de futebol, onde eu e meu filho esperávamos para tentar tirar fotos com os atletas.
Robinho sempre foi um dos mais requisitados. Nunca foi simpático, nem solícito para com os pedidos de torcedores e tietes. Na verdade, parece ser uma divindade flutuando entre meros mortais.
Esse fato, em si considerado, não o torna um criminoso sexual. Nem todos jogadores são acessíveis ou corteses, apesar de saberem que seus salários milionários são pagos pelos fãs, que os idolatram.
Qual de nós, contudo, em sã consciência, poderia imaginar que o “novo Pelé”, como foi inicialmente chamado, há décadas, um dos “humildes” “meninos da Vila”, seria um predador sexual?
E o que é pior, quem cogitaria que o próprio Robinho explicaria sua conduta como se não fosse criminosa, a ponto de responsabilizar as “feministas” e a Rede Globo pela chacina que ele tem sofrido, tanto na mídia convencional, quanto nas redes sociais?
Robinho foi condenado por estupro, em primeiro grau, na Itália.
O peso das provas contra ele dificilmente permitirá uma reversão da sentença, que foi muito bem fundamentada.
Não foram simples boatos, nem a chamada “palavra contra palavra”, expressão utilizada no meio jurídico para definir a ausência de provas em um caso de agressão sexual, restando o confronto entre as alegações da vítima e a negativa do agressor.
Existem provas contundentes e inquestionáveis de que Robinho abusou sexualmente de uma mulher, aproveitando-se de seu extremo estado de embriaguez, que tirou da vítima o elemento essencial que difere uma relação consentida da violência sexual: o consentimento!
O ponto central que eu quero chegar é muito perigoso e tem de ser muito bem explicado, para que não cause efeito oposto ao que pretendo dar. Por isso, peço muita atenção na construção do que escreverei, para que não distorçam o meu principal objetivo.
Robinho é um jogador rico, famoso e assediado. No entorno dele, gravitam diversas mulheres, desejando, sim, um romance, um affair, ou qualquer tipo de conexão, que lhes proporcione projeção.
O status de “namorada do Robinho” ou “amiga”, ou mesmo uma leve referência a “Robinho foi visto na companhia de…”, enfim, qualquer conexão com celebridades, de qualquer meio, pode retirar, de forma instantânea, uma completa desconhecida do mundo do anonimato, e projetá-la de forma exponencial, da noite para o dia.
Negar que o poder, fama e dinheiro atraem muitas pretendentes seria adentrar o reino da demagogia e da hipocrisia. E ninguém aqui deseja isso.
Se fosse para ter uma transa, fora de seu casamento, o que não faltariam seriam candidatas.
Claro que a grande maioria delas estaria munida de seus aparelhos celulares, ansiosas por um registro de qualquer natureza, uma simples “selfie”, que as elevasse à condição de “famosas”, em instantes.
O que nos leva à dura e cruel realidade.
Exceto se ele fosse um maníaco, um psicopata, daqueles dos filmes no cinema, que estupra, usando máscara, armas, subjugando a vítima de forma física, coativa ou violenta, Robinho nunca precisaria estuprar.
Se o fez, foi porque tinha certeza de que podia.
Não por um erro de entendimento, mas por acreditar-se estar acima das convenções sociais que obrigam os reles mortais que se acotovelam, implorando por fotos do jogador, depois dos seus jogos.
“Estupro porque posso! Na verdade, nem é estupro! Na verdade, trata-se de uma dádiva concedida por uma divindade, no caso EU, a uma mortal afortunada, que teve a sorte de engolir meu sagrado pênis, como se se apossasse de um cetro real, ainda que por instantes!”
“Se essa pobre mulher não se encontrava em condições de decidir, se queria ou não participar da nossa festa, não deveria estar ali, disponível, bêbada. Mesmo que não estivesse alcoolizada, sem poder exprimir sua vontade, isso não seria importante, pois, em um confronto de vontades, o que conta é a minha, pois, socialmente, sou mais importante do que ela.””
A essa sórdida sequência de pensamentos dou o nome de crime sexual motivado pelo poder. Ou, de uma forma simplificada, o “estupro por poder”.
Sou Advogado. Logo, não sou juiz. Advogo por entender que todo fato possui, no mínimo, duas versões. E gosto de escolher uma delas.
A profissão do Advogado impõe, aos apaixonados que a ela se dedicam, a missão de, às vezes, defender o indefensável.
No plano moral, entretanto, o “estupro por poder” consegue, dentro de uma bizarra gradação, que tem em seu topo o estupro seguido de morte, ser um dos mais graves, pois, nesse caso, o criminoso parece ter algo que a vítima nunca tem: escolha!
O julgamento de Robinho cabe, no plano terreno, à Justiça. Não somente à da Itália, mas à nossa própria Justiça brasileira, que deverá praticar todos os atos para, após o devido processo penal, responsabilizar o jogador, caso o considere culpado.
Robinho não se ajuda, nem perante seus mais apaixonados fãs. Fala besteiras publicamente, provoca grupos feministas e parece nem se importar com a gravidade de sua situação.
Ao contrário do caso de Neymar, contra o qual pairaram dúvidas sobre sua eventual responsabilidade no suposto estupro que teria cometido, Robinho já foi julgado e condenado, em um julgamento sério e isento.
A cadeia é uma realidade cada vez mais próxima para ele. Isso sem contar o peso do julgamento paralelo feito pela mesma sociedade que, antes, o enaltecia.
Se Robinho não entender isso, a psicopatia dele poderá ser a mesma dos mascarados dos filmes. Com a diferença que, em alguns casos, aqueles são considerados doentes. Logo, acabam escapando dos presídios.
Robinho, do ponto de vista legal, é são. Tão são quanto possa ser alguém, capaz de subjugar a vontade de uma mulher, impossibilitada de dizer “NÃO!”
É extremamente importante que o crime atribuído a Robinho seja apurado, de todas as formas possíveis, ainda que tenha sido algo que aconteceu em outro continente, tão longe daqui.
Porque esse crime, como disse no início, é mais comum do que imaginam. Nesse exato momento, pode estar acontecendo com outras mulheres. Em festas privadas, regadas a drogas e álcool.
Ou dentro de empresas, em seus mais escondidos cantos. Ou, o que é ainda pior, dentro das casas das pessoas. Onde elas deveriam se sentir mais protegidas.
Aconteça onde acontecer, e pelo motivo que for, todo crime sexual, praticado pela supressão da vontade pela força, é hediondo. Merece toda a nossa reprovabilidade, devendo os criminosos ser submetidos à severidade máxima da Justiça.
O criminoso sexual, quando é capturado, passa por diversos tipos de julgamentos. Dois deles, já citei acima, que são o julgamento pela justiça e o outro, pela sociedade.
Dentro dos cárceres, pelo mundo afora, existe um terceiro julgamento, onde nada importam as garantias do processo judicial convencional.
No julgamento que ocorre dentro das prisões, acusadores, julgadores e executores são exatamente as mesmas pessoas. Não existem defensores. Não existe recurso.
A única pena que se aplica é a que vem da vontade bestial da comunidade prisional, ensandecida, que se impõe pela força bruta e pela violência, excluindo o consentimento do condenado.
Isso é, pois, uma trágica e cruel ironia!
Ou será que não?
Considerações Finais
Nossas redes sociais alcançam milhões de pessoas. Certamente, várias delas são profissionais ligadas diretamente ao estudo e ao combate da violência sexual contra crianças, mulheres, e, repito, até mesmo homens.
Outras tantas se dedicam a enfrentar as terríveis mazelas causadas pelos crimes sexuais, não somente em suas vítimas, mas em suas famílias.
Aqueles que detém conhecimento técnico mais profundo devem estar pensando: “mas quase todo estupro é por poder, correto?”
Em termos!
Como citei, a anatomia do estuprador é algo muito complexo, na verdade, muito mais complexo do que se possa imaginar. Em muitos casos, sim, fica evidente a necessidade de o estuprador demonstrar poder supremo sobre a vítima, que se manifesta através da subjugação da vontade, seja pela força, pela violência ou pela grave ameaça.
O caso de suposto estupro que examinamos aqui está ligado não ao “Poder”, substantivo, mas ao poder, verbo. O que o torna ainda mais grave e cruel.
“Estupro porque posso!”, simples assim!
Poder no sentido de “ter a possibilidade ou a faculdade” de fazer algo. Ou não!
Essa suposta “escolha” transporta os autores desse tipo de crime para o topo da pirâmide da repulsa, seja social, seja individual. Por não se importarem com suas vítimas, e por acreditarem-se estar acima de quaisquer consequências, esses indivíduos cruzam o abismo abissal que existe entre querer, poder e fazer.
Tudo isso, sem se importar!
André Mansur Brandão
André Mansur Brandão
Diretor-Presidente / Advogado / Escritor