Uma forma corajosa de lidar com as adversidades da vida, misturando atitude, fé, perseverança, além de combate o vitimismo.
Todos temos nossa história. Por mais tranquila e sem sustos que possa parecer a vida de alguns, sempre houve um ou mais momentos em que tivemos que superar adversidades e fazer escolhas.
Gostamos muito de ler histórias da vida dos outros, contadas de forma exagerada, colocando seus autores como heróis. Mas, e se a solução de nossos problemas atuais estiver dentro de nossa própria história de vida?
Vou compartilhar com vocês algo que aconteceu comigo quando eu era muito jovem.
Trata-se de uma das passagens mais importantes de minha vida e, não somente mudou minha maneira de ver as coisas, como me deu energia para sobreviver ao cenário de adversidades em que fui criado, além de me ajudar a enfrentar os desafios que surgiriam (e ainda surgirão) ao longo de minha vida.
Eu tinha 16 anos e passava o meu primeiro carnaval sozinho, fora de casa. A cidade era Ouro Preto, um polo histórico de nossas Minas Gerais.
A “Imperial Cidade de Ouro Preto” estava completamente lotada. Eu e mais três colegas sublocamos a sala de uma casa da irmã de um deles, que ficava situada em uma das incontáveis vielas da “velha cidade”. Era um lugar muito apertado, com pouco espaço, mas estávamos radiantes, pois sair de casa pela primeira vez, ainda mais em um período de carnaval, era um sonho para todos nós.
Na casa ao lado, havia um casal, bem mais velho do que nós. A mulher, certamente tinha mais de 30 anos, e o homem parecia ter pelo menos 40 anos.
O homem, apesar de aparentar ser muito saudável e estar bem bronzeado, estava constantemente em um estado que chamamos de “filosofia etílica”. Sim, ele estava completamente embriagado, na verdade, como praticamente todos na cidade, durante aquele período festivo.
Ele se dizia alpinista.
Ela, pouco falava, mas muito sorria.
No segundo dia de carnaval, em um raro momento, encontramo-nos com o nosso “vizinho” na rua, um pouco menos ébrio, mas ainda exalando um forte hálito de vodka, que dava para ser sentido a mais de metro de distância.
Gostávamos de conversar com ele. Era muito inteligente, culto e parecia, de fato, que tinha viajado bastante.
Na hora que nos aproximamos dele, ele sorriu, e começou a narrar, vagarosamente, uma estória que mudou a minha vida, que vou, agora, compartilhar com vocês:
Após a Guerra do Vietnã, ainda havia alguns campos de batalha norte-americanos, que aguardavam instruções para desativação.
Não sei se todos sabem, mas a Guerra do Vietnã é considerada a maior derrota dos Estados Unidos, em sua longa história de guerras e conflitos armados pelo mundo.
Um repórter da BBC de Londres, encarregado da cobertura da matéria, aproximou-se de um soldado norte-americano, que montava guarda à entrada de um desses campos, e perguntou, querendo entender, na visão de um combatente real, os motivos pelos quais a superpotência tinha perdido a guerra:
– Vocês tinham os melhores homens! Vocês tinham as melhores armas! Vocês tinham mais dinheiro! Ainda assim, perderam a guerra! O que eles tinham?
O soldado descansou seu fuzil, retirou o capacete, limpou o suor de sua testa e disse:
– Eles tinham razão!
Mais de três décadas se passaram e eu nunca me esqueci daquela estranha estória, contada em uma tarde de sol, em Ouro Preto, durante o carnaval.
Minha fé sempre veio de Deus, mas, inúmeras vezes, diante de algo injusto, eu me questionei se, de fato, tinha razão em algumas de minhas demandas.
Quando eu tinha certeza dos direitos que eu buscava defender, eu os perseguia de forma árdua, incansável. E isso me fez colecionar vitórias incríveis, inimagináveis para alguém que tinha saído perdendo de muito no jogo das castas sociais, onde a a grande maioria dos pobres continua pobre.
Além disso, aprendi não somente a vencer, mas a entender o porquê de algumas derrotas que sofri, em lutas que jamais deveria sequer ter entrado.
Esta estória e uma série de outros fatores sempre me fizeram perseguir o que comecei a chamar de lado certo da vida.
Por mais que, nem sempre, o certo e o errado se apresentem de forma totalmente nítida, para que possamos escolher o lado a seguir, é muito importante entender que a razão, de uma forma ou de outra, sempre acaba vencendo.
Não me refiro à razão no sentido de racionalidade, de fazer o que o senso comum determina e, sim, em buscar o melhor para as pessoas que me confiam suas vidas, como Advogado.
Não estou aqui me definindo como um santo, alguém perfeito. Longe disso! Na verdade, sou a pessoa mais imperfeita do mundo, visto que, de mim, posso falar, já que me conheço tão bem.
Seja como for, se cada um de nós tentar ser uma pessoa um pouco menos egoísta, teremos a chance de um mundo que se governe pela consciência coletiva dos que querem, de fato, viver em um lugar melhor para respirar.
Sempre quando se sentir injustiçado, lembre-se: independentemente de qualquer aparente derrota, o que é certo, o que é decente, sempre prevalecerá, ainda que demore, pois, a razão, a decência e a moral são as senhoras de todos os tempos, e a tudo vencem, a todos superam.
Se não acreditarmos nisso, nem temos razão para esperar pelo futuro ou para trabalhar para a sua construção.
Nem sempre a justiça virá a tempo, ou durante a vida e a existência dos próprios injustiçados. As grandes mudanças podem levar décadas de até mesmo séculos.
Muitas vezes, todavia, a vitória não vem de nossas próprias conquistas, mas da simples “luta pela luta”, que poderá mudar o mundo para melhor, ainda que leve muitas gerações, até mesmo séculos.
Tenho ou não tenho razão?
André Mansur Brandão
Advogado e Escritor