Quais os limites do ser humano? Seria possível quantificar, em números, a dor a que um homem pode ser submetido?

Ela deveria ter em torno de 40 anos de idade. Talvez mais, talvez menos. As roupas que vestia permitiam concluir que não vinha de uma família rica. Nem pobre.

Trajes comuns, ela não era gorda, nem magra. Cabisbaixa, era fácil concluir que estava sofrendo. Gemia baixinho, de forma quase imperceptível.

A dor que sentia era intensa, pulsante e viva. A dor que tinha se tornado sua companheira dos últimos dias, aumentava, aos poucos, a cada longo segundo que se passava naquele lugar.

O lugar onde estava sentada era pouco iluminado. Uma espécie de corredor, frio e embolorado. Quando lá chegou, sentiu um forte odor de fezes e vômitos, que se misturava ao cheiro de adrenalina que exalava de outras pessoas que se sentavam ao seu lado.

Seus companheiros de corredor entravam e saíam, lentamente. Mas ela não os conseguia identificar, mais. Após tantas horas naquele lugar fedido, e diante do intenso sofrimento de seu corpo e de sua alma, ela somente conseguia detectar vultos disformes.

Gritos de dor, choros desesperados eram ouvidos com uma frequência enlouquecedora. Sim, ela estava enlouquecendo.

Com sua mão esquerda, ela segurava seu braço direito, visivelmente fraturado, de forma grave, como era possível concluir pelo enorme inchaço no local.

Dores lancinantes, gritos desesperadores, alma cansada. Estaria ela em algum tipo de inferno?

Seu nome era Maria da Conceição. Não se considerava uma pessoa boa, nem má. Era comum, tinha um emprego comum e vivia uma vida comum. Não entendia o porque de tanto sofrimento.

Conceição, como era chamada por seus poucos familiares e colegas de trabalho, estava naquele local há mais de 40 horas. Para ela, todavia, parecia uma eternidade, diante de tanta dor e sofrimento.

Tentava se manter sóbria, lúcida, sem desmaiar, mas suas forças já davam sinais de derrota. Ela estava extenuada, exaurida. Nem mais conseguia chorar, como fazia logo que a levaram para aquele lugar horrível.

SENHORA MARIA DA CONCEIÇÃO! – gritou uma voz masculina, rouca, quase brusca.

 MARIA DA CONCEIÇÃO – repetiu a voz, dessa vez quase gritando.

 Alguém a estava chamando. Quase sem enxergar, já que a dor tinha ultrapassado quase todos os limites humanos, ela se arrastou com dificuldades na direção da voz.

 Um homem pequeno estava de pé, no corredor, e a aguardava de forma impaciente. Sem conseguir enxergar sua fisionomia, ela parou diante dele e aguardou que dissesse algo.

 O homem, então, asseverou:

 – Vá até o final desse corredor, e entre na sala 26. O doutor fulano de tal irá atender a senhora.

 Lentamente, dirigiu-se ao local indicado pelo homem. Lá chegando, um jovem médico a aguardava. E, após quase dois dias de espera, a senhora Maria da Conceição conseguiu, enfim, ser atendido no posto de saúde da grande cidade onde morava.

 Sei que vocês estão surpresos, correto? Achavam que Conceição estava em um porão da tão temida ditadura? Negativo!

 A cena acima me foi descrita por essa mulher, cujo nome foi trocado, para fins de manter a sua privacidade. Mas, certamente, ela não é e nem será a única pessoa a passar pelo inferno para ter acesso a um atendimento médico de urgência (ou de emergência), de forma minimamente digna.

 Nos últimos meses, em nosso País, muito se falou sobre as torturas ocorridas e documentadas nos chamados porões da ditadura militar brasileira.

 Impossível negar a ocorrência de vários casos de supressão dos direitos humanos de pessoas que eram contra o sistema e o governo militar.

 Não é disso, entretanto, que estamos falando agora.

 A corrupção é a pior forma de tortura que existe.

Retira dos cidadãos seus direitos mais elementares, como o direito à vida, à saúde e à dignidade humana.

A dor que um torturador convencional pode impingir a um ser humano é apenas uma pequena parte da dor que o corrupto impõe a milhares de milhões de pessoas, pelo Brasil afora.

A tortura individual pode levar um homem à morte, lenta e cruel. A ação dos vermes, que atacam as verbas públicas com a sua ambição criminosa, destrói, de forma igualmente ardilosa, a vida e a esperança de toda uma sociedade.

A corrupção provoca dores, humilhações e a morte lenta de inúmeras pessoas. E, assim como devemos repudiar a tortura individual, devemos sentir nojo de toda forma de corrupção, por mais simples e inofensiva que possa parecer.

A parte mais complexa é saber diagnosticar, de forma precisa, como a corrupção se manifesta, na sociedade, através de nosso comportamento individual.

Vamos analisar algumas situações corriqueiras da vida cotidiana.

Parar um carro na fila dupla, na porta das escolas. Realizar ultrapassagens pelos acostamentos das rodovias. Furar a fila nos cinemas ou lanchonetes. Falsificar um documento de identidade, para parecer mais velho, e poder entrar em determinados shows e espetáculos?

Reconhecem alguns desses comportamentos? Claro que sim!

Ainda assim, mesmo que pratiquemos “pequenos”se e “inconsequentes” atos de corrupção, revoltamo-nos, quando essa mesma corrupção manifesta em nível nacional, praticada por terceiros.

As pequenas imperfeições individuais ganham escala gigantesca, quando o homem passa a ter acesso ao poder.

E toda a sociedade acaba sendo, ora vítima, ora cúmplice, dessa abjeta forma de corrupção que destrói o mundo, retirando da senhora Maria da Conceição, e de milhões de outros seres humanos, espalhados pelo Brasil e pelo mundo, não somente o direito a uma saúde de qualidade, mas o próprio direito à vida e à liberdade de sonhar.

Pensem nisso. Pois a vítima de uma sessão de tortura pode ser você!

Reflitam e fiquem com Deus!

 

André Mansur Brandão
Diretor-Presidente, Advogado e Escritor

ANDRÉ MANSUR ADVOGADOS ASSOCIADOS

 

 

 

 

 

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