Sou católico de batismo. Desde pequeno, minha mãe e minha madrinha sempre me levaram à missa. Como era muito novo, e por não compreender muito o que os padres diziam, eu não gostava de ir. Era comum eu ir “obrigado”, sempre com as tradicionais ameaças de corte de TV, brincadeiras e outras coisas que crianças gostam. Mas eu sempre acabava indo.

Minha madrinha teve uma ideia: arrumou algo para eu fazer antes, durante e após as missas. Eu comecei a distribuir os roteiros da missa, recolhê-los, fazer pequenos serviços durante a celebração, que reduziram muito o meu tédio de estar num lugar onde eu não entendia nada que estava sendo dito, por um homem com roupas estranhas, que falava para uma multidão pouco atenta. Mas uma coisa eu nunca consegui evitar: apesar do tédio, o ambiente da igreja católica fazia-me muito bem. Muito mesmo! Havia algo ali que era bom, muito bom!!!!!!!!!

O tempo passou. Por influência de uma de minhas irmãs, durante dois anos de minha adolescência, passei a frequentar uma igreja evangélica. No início, eu adorava. A dinâmica era outra. Era muito mais, digamos, divertido. Não tinha toda aquela pompa da missa católica. O ambiente era mais descontraído. No lugar do padre sério e imponente, havia um pastor, que mais parecia um animador de auditórios dos programas de domingo. Até as músicas eram cantadas de uma forma diferente, sem aquele tom sacro tão peculiar ao canto católico. Isso, aliado aos animados acampamentos dos quais participava, proporcionaram-me momentos incríveis durante aqueles abençoados dois anos. O problema é que eu estava na adolescência …

A criança nasce! Quando começa a balbuciar as primeiras sílabas, aprende rapidamente as duas principais palavras que, na forma de uma interrogação, irão acompanhar o ser humano por toda a sua vida: por que?

E ninguém melhor do que os adolescentes para usarem estas palavras de forma quase incontrolável, pois é nessa fase que surgem os primeiros grandes questionamentos de nossas vidas. Assim, com todo o respeito que as igrejas evangélicas merecem (e merecem mesmo), eu não conseguia entender ali várias coisas e, naturalmente, afastei-me dos cultos e dos acampamentos.

Voltei a frequentar esporadicamente as missas católicas. O espaço entre uma ida e outra começou a aumentar, tanto que passei a ser o que popularmente se intitula de “católico de fundo de igreja”. Com o tempo, parei de vez.

Aos meus 17 anos, tive o que muitos poderiam chamar de epifania. Para que ninguém tenha de interromper a leitura e ir pro google, epifania é a manifestação da divindade, uma espécie de “toque” de Deus. E Deus realmente tocou-me naquele dia…

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Eu fazia um cursinho preparatório para um grande concurso. Uma possível aprovação, segundo me disseram, proporcionaria-me pleno sucesso profissional e financeiro. Eu poderia realizar todos meus sonhos de consumo. Além disso, minha família, que sempre sofreu tanto para me proporcionar o que havia de melhor em termos de estudo, poderia ter muito mais qualidade de vida, mais conforto, mais lazer… Minha família poderia ter mais!

A empreitada tinha dois obstáculos aparentemente intransponíveis. O primeiro, era o fato de tratar-se de um dos mais difíceis concursos do país, com mais de quatrocentas mil pessoas inscritas para concorrer às poucas vagas. O segundo, e mais preocupante, era o fato de que, por ter apenas 17 anos, eu nem poderia inscrever-me, pois o concurso tinha como idade mínima 18 anos. E isso me fazia sofrer muito. Sofria pela preparação, e sofria pela incerteza de poder ou não fazer a prova!

Naquele dia, eu voltava do cursinho, cansado e desanimado. Fui surpreendido por uma chuva intensa, muito forte mesmo. Comecei a correr e advinhem qual foi o único lugar aberto que eu encontrei para me esconder? Ganhou um prêmio quem disse “uma igreja católica”!

Exatamente. Uma linda, quentinha e aconchegante igreja católica. E, o que era mais incrível, totalmente vazia. Imponente e vazia! Se existe um paraíso, naquele momento aquele era meu paraíso.

Eu já havia conversado com Deus antes. Só que normalmente o fazia em minhas formais orações. Naquele dia, eu e Deus tivemos uma conversa séria, de Pai para filho. Ou melhor, de filho para Pai!

Perdi meu pai biológico quando eu tinha pouco mais de um ano de vida. Morreu de câncer, aos 40 anos de idade. O conheci por fotos, cartas e objetos. Sua fama de honestidade encheu-me de orgulho no início de minha vida profissional, quando encontrei com alguns de seus ex colegas de trabalho. Ele era do ramo de seguros, mas tinha um hobye incrível naquela época: era piloto de aviões!

Por alguma razão que nunca vou entender, todos os dias dos pais e no dia de finados, ainda choro sua morte. Ou melhor, choro sua ausência. Não sei como a minha vida estaria se ele ainda estivesse vivo. Mas eu adoraria passar nem que fosse uma única hora em sua companhia.

Naquele dia, naquela igreja vazia, eu chorei! Chorei de tristeza. Chorei de ansiedade. Chorei de saudades. Questionei a Deus o porquê da ausência de meu pai. O porquê da luta tão árdua de minha mãe, dando aulas em três turnos, em três favelas, para nos criar. Quanta dificuldade estávamos passando. Teria sido mais suave a vida de minha mãe e de minhas irmãs se meu pai ainda estivesse vivo?

E, em meio às minhas lágrimas, em meio a meu pranto, e no auge de minha revolta, senti o “toque de Deus”! Com a sabedoria e carinho que só a divindade maior possui, naquele momento senti-me protegido e reconfortado. Senti que Ele, Deus, estava comigo nos braços. E senti que Ele estaria comigo para sempre!

Não consigo imaginar como é possível alguém não acreditar em Deus! Questionar Sua presença, sua força, sua bondade. Na verdade, em Deus, não se acredita. Apenas, sente-se! Vive-se!

Negar Deus é impossível. Se o mais vigoroso ateu cair em uma cisterna profunda, quando se esvairem todas as tentativas racionais de sair de lá, quando ele se sentir alquebrado, sozinho e sem esperanças, quando nada mais lhe restar, certamente ele erguerá suas preces a Deus. E este mesmo Deus, negado pelos racionalistas, levará a salvação, seja pelo resgate de sua criatura, seja pelo conforto de sua alma!

Deus me deu tudo o que tenho. E me deu tanto, que talvez eu tenha de passar o resto de minha vida e por toda a eternidade agracendo-lhe! Minha família, meu filho, meu ofício, meus sonhos, meus projetos … Deus é perfeito!

O tal concurso, querem saber o que aconteceu? Passei. E já saí do tal “emprego perfeito” para realizar o meu sonho de advogar. A saudade de meu pai ainda continua forte, mas ela vem hoje temperada com o prazer de ser pai de um filho lindo, perfeito! Quando choro de saudades, choro também de alegria, por Deus ter me dado esta benção tão grande que é ser pai.

Hoje, tantos anos após, sinto que fiz um pacto com Deus naquela tarde chuvosa. Nem tudo que sonhei, nem tudo que eu quis ou ainda quero, Deus me deu, todavia.
Obtive Dele, naquela epifania, no momento em que fui tocado por Ele, a garantia de que todos os meus questionamentos serão respondidos. Ainda que, às vezes, a resposta seja NÃO!

Obrigado Senhor!

André Mansur Brandão
Advogado

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