No mundo real, infelizmente, a grande maioria das histórias não têm um final feliz.

A parte boa da vida é que podemos, em muitas situações, mudar o mundo e nossa vida, transformando situações de grande adversidade não somente em uma forma de aprendizado, mas, também, em vitórias.

Para se transformar fracassos em sucessos basta sonhar? Infelizmente não. Mas já é um grande começo.

Vou contar para vocês uma pequena história que pode ou não ter acontecido, que fala do estranho encontro entre sonhos e realidade.

Era uma vez …

Em uma cidade grande do Brasil, uma pequena família lutava contra muitas dificuldades. Mãe, pai e dois filhos pequenos, uma menina, de cinco anos e um menino, que mal tinha completado nove.

Mãe e pai, ambos desempregados, chegados do interior do estado de Minas Gerais, há quase um ano, morando em um pequeno cubículo, na periferia da cidade. Filhos ainda fora da escola, por absoluta falta de condições da família.

Todas as economias do casal tinham sido consumidas e as contas já começavam a se acumular por sobre a mesa da pequena sala, que praticamente se emendava com o único quarto do barracão.

Além de desempregado, o pai ainda padecia de fortes dores nas pernas, provenientes do árduo trabalho no campo, que durante anos agrediu seu corpo frágil.

O pouco dinheiro que ainda insistia em sobrar somava pouco mais de cem reais, sendo que, somente as contas de água e de luz, já vencidas, totalizavam quase cinquenta reais.

CEMIG e COPASA eram, respectivamente, as concessionárias de luz e água daquela cidade e castigavam com cobranças insistentes, humilhantes e ameaçadoras.

Já havia três contas vencidas de cada uma delas e os cortes de luz e água eram questão de tempo. Além de todas os problemas inerentes ao desemprego e à falta de recursos, ainda teriam de ficar no escuro e sem água para beber ou fazer a sua higiene pessoal.

Era uma situação desesperadora!

Para evitar o corte iminente, e por estar com dificuldades de se locomover, o pai pediu ao filho pequeno, de nome João, para pagar as duas últimas contas da Cemig e da Copasa, apenas uma de cada.

Deu a ele quatro notas de dez reais e duas de cinco, suficiente para pagar as contas que totalizavam R$ 49,62, sem os encargos, que viriam nas próximas faturas. Pagando essas duas contas, os cortes seriam evitados, dando à família, pelo menos mais trinta dias de tempo.

Apesar de muito novo, saiu o menino em direção à casa lotérica, de uma certa forma orgulhoso com a missão que lhe tinha sido confiada. Corria, ansiosamente, pois o horário de fechamento estava muito próximo. Se passasse das oito horas da noite, não conseguiria pagar as contas.

Logo na entrada, deparou-se com um cartaz que anunciava:

LOTERIA: CONCORRA A DOIS CARROS DE UMA SÓ VEZ. SORTEIO AINDA NESTA NOITE!

Os olhos do menino começaram a brilhar. Dois carros de uma única vez!

Resolveria todos os problemas da família. Um deles certamente seria vendido pelo pai e o dinheiro revertido para pagar as suas dívidas e mudarem para um lugar melhor.

O outro? Claro. O outro ficaria com eles e seria usado para fazerem inesquecíveis passeios, todos juntos, felizes, como ele via nos comerciais. Era a solução.

O valor do bilhete? Exatamente os cinquenta reais que ele tinha em mãos. Certamente era um sinal de Deus. Tinha de ser!

Pensou por quase meia hora. E tomou a decisão: comprou o bilhete, voltando correndo para seu barraco, onde seus pais já o aguardavam impacientes e aflitos, devido à demora e ao avançado da hora.

Quando o menino comunicou aos pais sobre sua decisão de não pagar as contas, usando o dinheiro para comprar um arriscado bilhete de loteria, ambos se desesperaram.

O pai não se conteve e começou a chorar copiosamente, enfiando sua cabeça no velho travesseiro que usava para dormir.

A mãe, igualmente alterada, caminhava nervosamente pelo pequeno espaço, de um lado para outro, ora dizendo frases desconexas, ora praguejando contra a vida e a tamanha falta de sorte da família.

O menino caminhou lentamente para o cantinho onde dormia, perto da irmãzinha, e começou, também, a chorar, baixinho. Até seu pequeno corpo ceder ao cansaço e à tristeza que sentia.

A pequena casa, com seus quatro moradores, adormeceu!

No dia seguinte, bem cedinho, batidas fortes na porta acordaram todos, de sobressalto.

Ao saírem, deparam-se com a seguinte cena:

DOIS CARROS NA PORTA!

Eram a Cemig e a Copasa, que tinham chegado para cortar a luz e a água.

E assim termina a história!

Para os que nesse momento querem me bater, eu vou confessar: é uma piada, transformada em conto. E com uma dose grande de humor afrodescendente.

Vocês deveriam ter desconfiado do final quando eu disse que o nome do menino era João. Exatamente, o lendário Joãozinho deixou sua família no escuro e sem água.

Até as histórias, todavia, têm uma lição de moral.

Na vida, sempre procuramos atalhos para sairmos de nossas dificuldades, quando a solução, que sempre existe, sempre será através de muito esforço e superação.

Esse conto, em forma de piada, não foi baseado em fatos reais. Reflete, contudo, a situação de miséria vivida por milhões de brasileiros.

Outros tantos milhões nem sequer possuem energia elétrica, água encanada, esgoto e saneamento básico.

Devemos pensar nisso, antes de reclamarmos de nossas vidas, por motivos muito menos sérios. Se até quem vive na miséria sabe que ainda existem pessoas em situações piores. Aqueles que agonizam, doentes, muitas vezes em condições terminais de suas vidas.

Vivamos mais, com mais bom humor. Sem amargor, e sem descontarmos nas pessoas que nos cercam nossa dor ou nossos problemas, nem sempre tão graves.

Vamos ser felizes, antes que Deus, o juiz da vida, apite o fim do jogo. Viver sempre tem de ser melhor do que morrer.

Concluo, lembrando que a vida somente vale a pena se nunca deixarmos de sonhar. Mas, quando tivermos uma conta para pagar, vamos pagar. Senão a Cemig e a Copasa aparecem com seus carros.

Que Deus nos abençoe a todos!

Fiquem com ELE!

André Mansur Brandão
Diretor-Presidente, Advogado e Escritor

ANDRÉ MANSUR ADVOGADOS ASSOCIADOS

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