“Dr. André, minha vida acabou!”. Escutei a terrível frase há cerca de 12 anos, mas ela nunca mais vai sair de minha cabeça. Não pelo que a frase significa, mas pelos motivos que fizeram minha cliente pronunciá-la.
O fim da vida talvez seja a questão que mais incomoda as pessoas. A tão temida MORTE pode ser considerada não somente o maior medo de quem está vivo, mas, também, um dos maiores mistérios que nunca resolveremos, pois é muito difícil aceitar que a vida tenha um fim.
Do ângulo de quem foi e não voltou, nada podemos dizer, sem ter de apelar para aqueles que creem não somente na vida após a morte, mas, principalmente, acreditam que é possível existir uma comunicação entre os dois mundos.
Para quem foi e voltou (refiro-me às pessoas que foram consideradas clinicamente mortas e retornam às suas funções biológicas normais), tudo é um grande mistério. Apesar da existência de vários pontos comuns nas chamadas experiências de quase-morte, a ciência pouco ou nada pode dizer sobre o fato, pois, quando o assunto é morte biológica, ou se morre, ou se permanece vivo. A quase-morte não é cientificamente passível de estudo, salvo se o cientista “abrir” a sua mente para longe dos paradigmas que regem a ciência. E, fazendo isso, para a sua comunidade, ele deixa de ser cientista, pois fé e ciência parecem ser coisas inconciliáveis.
O grande problema ocorre dentro da mente de quem esta vivinho e morre de medo de morrer. Pesquisas demonstram que 95% por cento das pessoas temem a morte e que 5% dos entrevistados mentem. Todos tememos a morte, sem exceções. Até mesmo aqueles para quem a vida é um fardo.
A vida de minha cliente havia acabado porque seu carro novinho tinha sido colidido na sua parte traseira por outro carro. Vou explicar melhor: minha cliente não sofreu um arranhão sequer. Nenhuma de suas unhas bem pintadas tinha perdido uma única lasca. Ela se referia, apenas, ao carro.
Usando de uma prática do Facebook, se você que está lendo essas palavras está sentindo uma vontade de voltar no tempo e esganar minha cliente, ou de arrancar-lhe as unhas com uma chave turquesa (se possível, com os dedos junto), compartilhe! Fato é que, enquanto eu pensava em alguma resposta bem cruel e ácida para responder a tamanha futilidade, comecei a caminhar pela minha sala e a olhar pelas janelas.
Do prédio onde meu escritório funciona, a partir de um determinado andar, da para ver o hospital Mater Dei.
Naquela fração de segundo, lembrei de quando minha irmã operou de hérnia de disco. Naquela época, enquanto aguardava a cirurgia ser realizada, caminhei pelos corredores do hospital, quando me deparei com um setor, onde as pessoas pareciam estar mais tristes do que o normal. Era a sala de espera da CTI. Para quem não sabe, CTI e UTI são os setores para onde são encaminhados os pacientes mais graves.
A lembrança daquele dia tornou ainda mais fútil e risível a frase que brotou dos lábios de minha cliente. Um lado meu queria muito lhe dizer umas verdades, tão aparentes naquele momento para mim. Mas, quem somos nós para julgarmos nossos semelhantes? A excessiva importância dada à uma batida no carro novo, provavelmente, era a manifestação de uma dor maior, em outro setor da vida.
Sorri para a cliente, passei o preço do meu serviço (neste momento, ela nada sorriu) e segui com a minha vida.
Obviamente, ganhamos a ação e, ironicamente, ao conhecer melhor a cliente, nas quase duas horas em que conversamos, aguardando a audiência de instrução, descobri que ela estava passando por um severo processo de separação judicial, com todos os requintes de crueldade possíveis (guerra pela guarda de filhos, partilha tumultuada de bens, pensão alimentícia atrasada, etc.).
Enfim, fiquei muito feliz por não tê-la julgado e condenado pelo crime de futilidade dolosa!
Vocês devem estar achando que a “moral da história” é que não devemos julgar, correto? Errado! Isso me parece bastante óbvio e tento sempre correr do que é óbvio. O que realmente quero contar para vocês é um momento pelo qual acabei de passar em minha vida.
Há cerca de um mês, recebi uma ligação de minha irmã mais nova. O tom de voz, por mais que ela tentasse disfarçar, sinalizava que alguma coisa grave tinha acontecido. Minha irmã ligava do hospital: nossa mãe tinha sofrido uma queda, durante à noite, e batido com a cabeça. E estava indo para CTI, para “ficar em observação”.
Quem me conhece pessoalmente sabe o quanto sou apaixonado por meu trabalho. Sou do tipo que sempre tem diante de si um microcomputador, um iPad, um iPhone; enfim, estou sempre conectado.
Naquele momento, o tempo literalmente parou! A agenda lotada, todos os compromissos urgentes, tudo desapareceu num passe de mágica. Nada mais importava. Desci rapidamente para o hospital e encontrei minha mãe, consciente, mas muito assustada com a iminente internação. Ela deveria ficar no CTI por três dias, três longos dias!
E assim foi feito. Num piscar de olhos, tornei-me uma das pessoas angustiadas e apreensivas que, há cerca de doze anos, vi na ante-sala do CTI. Pessoas para quem o tempo nada mais significava! Para quem o tempo havia parado!
Minha mãe, graças a Deus, saiu do CTI quase três dias depois. Parece pouco, mas dois dias e meio naquele lugar é tempo demais. E tinha tanta gente ali, sofrendo, há meses, que qualquer outro assunto perde sua importância.
Ela saiu dali para um quarto e depois para casa. Voltou quase um mês depois, quando operou e, com a bênção de Deus, ficou livre do hematoma que começara a incomodar. Graças à misericórdia divina, na época ela recuperou-se da cirurgia. Mas algo permaneceu em minha mente, que eu gostaria de compartilhar com vocês.
No momento em que o tempo parou, fiquei pensando nas vezes em que a visitei, nas vezes em que conversamos, nas vezes em que ríamos juntos, de piadas sem graça, contadas por nós dois. Observadores externos dizem que sou um “bom filho”, que sou presente. Então por que naquele tempo inerte, sentado ora na sala de espera do CTI, ora no quarto do hospital, pareceu que tinha tanto tempo que eu não a via?
Lembrei das centenas de vezes em que conversei com minha mãe enviando mensagens SMS, lendo emails; enfim, ocupado demais para dar toda a atenção que ela merecia. Lembrei de quanto tempo perdi, querendo abraçar o mundo, que por um capricho platônico, se recusa a ceder aos meus encantos.
Posso, enfim, deixar a tal “moral da história” para vocês. Não esperem o tempo parar para curtir as pessoas a quem amam. Aproveitem cada segundo da vida com os entes queridos, pois, numa fração de segundo, tudo pode mudar.
Cada segundo passado com nossos filhos, irmãos, pais, amigos, enfim, com todos aqueles a quem amamos, nunca deve significar um segundo a menos, e sim um tempo a mais.
Convivam mais, aproveitem mais, amem mais. Pois a vida como conhecemos só passa uma vez. A vida é um jogo de uma única partida, apitado por Deus – Juiz Supremo – a quem cabe, somente a Ele, dizer em que momento ela começa e, principalmente, o momento em que nos chama para Seus braços e apita o fim do jogo!
Essa é a moral da história que queria contar a vocês! Amem e vivam o amor, antes que a morte nos separe! Antes que seja tarde! Antes que o tempo pare!
André Mansur Brandão
Diretor-Presidente
ANDRÉ MANSUR ADVOGADOS ASSOCIADOS