Canalhas e Covardes
Uma abordagem direta sobre a crueldade dos crimes contra a honra e suas consequências para quem sofre, quem pratica e as autoridades que devem lidar contra esse crime, que cresce em proporções assustadoras.
Era uma vez …
Eu adoro começar minhas crônicas com “era uma vez…”.
Desde que, há muitos anos, uma professora de português disse que eu tinha potencial para contar estórias, mas que eu deveria evitar a expressão “era uma vez…”, um desejo intenso nasceu em mim de manter viva esta expressão que convive comigo desde quando aprendi a ler.
Vamos lá?
Era uma vez, em um tempo e lugar distantes, uma jovem mulher que levantou sobre um padre grave falso testemunho, um lodaçal de boatos totalmente infundados, sem qualquer indício de verdade.
Sem qualquer compromisso com a verdade, de forma totalmente irresponsável, os boatos espalharam-se e rapidamente destruíram a reputação da vítima, um jovem, que acabava de começar o seu sacerdócio naquela pequena comunidade.
Sua reputação e sua vida tinham sido destruídas. Nada mais o prendia naquele lugar, motivo pelo qual pôs-se e caminhar pela estrada, com destino incerto, somente sabendo que tinha que seguir sua vida, visto que havia sido, inclusive, expulso da Igreja.
Meses depois, ficou demonstrada a inocência do jovem religioso, mas ele já tinha ido embora, para local incerto.
A mulher, corroída pela culpa, procurou por todos os cantos o padre, vindo a encontrá-lo lecionando para pessoas analfabetas, em um trabalho voluntário, do outro lado do País.
Contou-lhe o desfecho do caso, que ele havia sido inocentado das falsas imputações, e o quanto estava arrependida pelos danos causados.
Após ouvir, atento, toda a narrativa vinda da mulher, visivelmente corroída pelo sincero arrependimento, postada diante dele, implorando perdão, o ex-padre, com absoluta serenidade, disse:
– A senhora está, de fato, arrependida do que fez?
– Sim, com todas as forças da minha alma! Minha vida tornou-se um inferno desde que descobri que tinha sido a responsável por tantos prejuízos a um semelhante, ainda mais uma pessoa de bom coração e inocente.
O jovem, então respondeu:
– Para que a senhora possa aprender com o que fez, e purificar-se com o aprendizado, pegue um travesseiro de penas, suba na parte mais alta de uma colina e solte as penas do travesseiro ao vento.
A mulher ficou admirada, surpresa com a estranha missão, mas estava disposta a tudo para conseguir o perdão, que lhe era tão caro. Partiu, então, para realizar o que lhe parecia uma forma muito simples de corrigir seu grave erro.
Procurou a montanha mais próxima de onde se encontrava. Subiu ao seu cume, levando um travesseiro de penas e a sua esperança de obter o tão almejado perdão.
Após seis longos dias de caminhada, sob o sol ardente, ela chegou à parte mais alta da grande elevação, uma pequena montanha formada por pedras e uma vegetação rasteira, um lugar muito difícil de se chegar.
Assim que completou sua subida, no cume da montanha, sentiu o contraste do forte vento que soprava, contra seu rosto torrado pelo sol. Era uma sensação boa, de paz, de estar fazendo algo correto.
Com uma pequena faca, a mulher rasgou o travesseiro, e jogou para cima as penas que o recheavam.
Assistiu, emocionada, o revoar daqueles pequenos pedacinhos brancos, tão leves e tão aparentemente frágeis.
MISSÃO CUMPRIDA!
Após rápido descanso, retornou para a pequena vilazinha, onde, certamente, obteria o tão desejado (e agora, em sua visão, merecido) perdão daquela pessoa a quem tanto tinha prejudicado, com suas leviandades.
Chegando na simples moradia do ex-sacerdote, a mulher, totalmente exausta pela dura viagem que havia feito, ao cume da montanha, contou-lhe que havia cumprido a missão, e que estaria pronta para seguir sua vida.
O jovem sábio, então, com a simplicidade e humildade que lhe eram peculiares, disse, para a total perplexidade da mulher:
– Agora, a senhora está preparada para cumprir a outra parte: volte à planície e recolha todas as penas novamente no travesseiro e venha me mostrar.
– Mas isso é impossível – retrucou, desesperada, a mulher.
– Sim! Assim como é impossível reparar a fofoca, a mentira, o falso testemunho e a maledicência.
Esta é uma nova visão de uma antiga fábula, cuja autoria me é desconhecida. Seja como for, a sabedoria contida em seus ensinamentos é enorme.
Eu entendo que, graças à misericórdia de Deus, que é infinita, a mulher, ou qualquer pessoa que faça algo semelhante, poderá receber o perdão.
Mas o mal que se provoca, ficará pairando sempre, como penas ao vento. Logo, pense bem antes de falar algo contra alguém, seja por irresponsabilidade ou, simplesmente, por pura maldade.
A fábula acima contou a estória de uma mulher que, de um jeito ou de outro, não havia feito o que fez por maldade, mas por grave irresponsabilidade. Independentemente de seus motivos, seus atos destruíram a reputação de um sacerdote, mudando sua vida de forma irreversível.
Ainda que tenham sido acidentais, as ações levianas causaram terríveis consequências, não somente para o padre, mas, também, para ela, que teria que conviver com sua culpa, pelo resto de seus dias, somente encontrando paz se conseguisse, de fato, uma comunhão com Deus, Este, sim, o único detentor do poder de perdoar.
A mulher da estória não fez por mal, mas, ainda assim, causou enorme destruição, mudando a vida de uma pessoa e a sua própria.
Mas, e as pessoas, que são cruéis o suficiente para praticar tais atos de forma pensada e criminosa?
Estas, sim, são CANALHAS e COVARDES, visto que, na maioria das vezes, escondem-se por detrás das sombras do anonimato.
Como advogado, temos recebido, toda semana, uma pequena enxurrada de casos de calúnia, difamação e injúria, em nosso escritório. As redes sociais tornaram estes delitos ainda mais perigosos e lesivos, soprando ventos ainda mais fortes, que levam as penas do travesseiro para lugares ainda mais distantes.
O CASO X
Recentemente, um caso chegou em nosso Escritório e chamou particularmente minha atenção.
Para fins de sigilo, chamaremos este caso de Caso X, visando proteger a intimidade dos envolvidos, principalmente das vítimas.
Há cerca de uma semana, por volta das 20 horas, a filha de uma cliente, que mora em uma pacata cidade do interior de Minas, ligou em meu telefone pessoal, por diversas vezes.
Eu estava dirigindo, perto do anel rodoviário de Belo Horizonte e, pressentindo o desespero da menina, diante das inúmeras ligações, parei o carro em um posto de gasolina e retornei a ligação.
A jovem, de pouco mais de 15 anos, estava muito preocupada, ansiosa e, principalmente, muito triste, pois estava sendo vítima de uma verdadeira chacina virtual. Pessoas covardes criaram um grupo supostamente anônimo e diversos adolescentes da cidade e, o que é pior, da escola onde estudava, iniciaram uma metralhadora de ofensas, referindo-se à sua moral e à de sua família.
Apesar de ser um dos tipos de ações que mais levam as pessoas a nos procurarem, poucas vezes eu tinha visto um bullying virtual tão agressivo, tão cruel.
Agimos rápido, o que é essencial nesse tipo de caso e, em menos de 24 horas, contivemos o tsunami de ofensas e maledicências usado para atacar a menina, além de já termos acionado as polícias (PM e Civil, através de sua delegacia especializada), que já estão com as investigações bem avançadas para identificar e punir os agressores e seus cúmplices.
NÃO PODEMOS PEGAR TODOS!
Um ponto que nos deixou, a todos, no Escritório, indignados (e ainda mais motivados para levar os transgressores à Justiça) foram duas frases ditas por um dos mentores desse crime tão covarde.
Quando um membro de nossa Equipe o alertava sobre a gravidade do que estavam fazendo, tentando dissuadi-lo a desativar o perfil criado no Instagram para a prática do crime, ele (ou seria ela?) disse que iria tirar, pois não queria B.O. para o vizinho dele de quem havia furtado o sinal de Wi Fi.
Explicando melhor, essa pessoa, certamente pouco inteligente, achou que não seria identificado por estar usando o sinal de internet de um vizinho, supostamente idoso. Uma pessoa dessas não deve ser muito inteligente, pois levou um susto quando nossa equipe informou que isso não impediria a polícia de localizar a origem das mensagens criminosas.
Antes de desativar o perfil, a pessoa ainda disse:
– Vocês podem vir atrás de mim. Não foi coisa de uma pessoa só. Somos muitos, e vocês não vão conseguir pegar todos.
O membro de nossa Equipe, com muita sabedoria, respondeu:
– Não precisamos localizar todos. Somente alguns! E podemos garantir que no meio dos poucos que acharemos, você estará no meio, ou será facilmente delatado por um de seus comparsas.
E interrompemos a conversa.
ORGULHO DE NOSSA EQUIPE!
A forma rápida, precisa e tecnicamente perfeita com que conduzimos o caso foi algo que produziu enorme sensação de alegria e orgulho em nossa Equipe.
A manutenção daquele perfil nocivo e delituoso no ar poderia ter causado prejuízos incalculáveis para a honra de uma menina, que mal começou a sua vida.
Não são raros os casos em que a vítima acaba com própria vida, por não conseguir lidar com o ambiente hostil criado pelas mentiras usadas para atacar sua honra.
Graças à rapidez do enfrentamento, e da postura forte no sentido de encontrar os culpados, as consequências do assédio não virão mais contra ela, como era o objetivo do grupo.
Os covardes algozes, que já estão sendo localizados, serão punidos, com todo o rigor da lei.
O Instagram, esta rede social tão útil, quanto perigosa, será igualmente responsabilizada, claro, no plano financeiro, que é um dos pontos que mais incomodam as empresas.
Seja como for, o mais importante é, quando este tipo de violência acontecer, essencial agir rápido e, principalmente, não tratar estes crimes como algo menor, que pode ser esquecido.
O bullying, em todas as suas modalidades, é um dos maiores problemas de nossa sociedade atual. A crescente violência nas escolas é a mais visível prova deste fato, mas está longe de ser a única.
Quando o bullying “cresce”, ele se transforma em outros tipos de crimes, como, por exemplo, assédio, em todas as suas formas. E em outros crimes, ligados ao fato de que, quem pratica bullying, aos poucos, perdendo a empatia pelo seu semelhante.
Com o tempo, a vida humana, a honra, a liberdade, vão perdendo o sentido para essas pessoas, que adentram na sociedade com a sensação de que os semelhantes nada mais são do que degraus de uma escada, que os levará ao topo.
Sem se importar que estarão pisando em seres humanos, com sonhos e sentimentos.
As perseguições virtuais massivas devem ser tratadas com todo o rigor e atenção, devendo a Justiça punir os ofensores da forma mais severa possível.
As palavras do covarde que conversou com nossa equipe são, lamentavelmente, reais. Não se pode localizar e punir todos os envolvidos. Mas alguns, sim, serão encontrados, por mais que se escondam. E pagarão pelos seus próprios crimes, e pelo crime de todos.
Até que os criminosos entendam que as polícias e demais autoridades estão muito mais perto deles do que pensam!
Os tolos e criminosos, que se dedicam à covardia do falso anonimato, ainda não entenderam que os delitos praticados pela internet estão, a cada dia mais, mais fáceis de serem localizados.
E nesse momento, os condenados por crimes virtuais poderão conhecer, no mundo real, a violência das cadeias e dos presídios brasileiros. Longe de concordar com a violência e abusos que ocorrem sabidamente no sistema prisional, parece existir uma estranha lógica em tudo isso.
Pois, dentro das celas, o que predomina é supressão da vontade pela força, assim como no mundo dos covardes virtuais, que se escondem sobre as pedras sujas do anonimato.
Somente a dor, sentida na própria pele, pode mostrar um pouco das dores causadas às suas vítimas!
André Mansur Brandão
Advogado